Estudos Domiciliares e Sistêmicas Familiares

O lar como ponto de partida     

Inúmeras são as reflexões e os questionamentos que nos atravessam neste período de distanciamento social, isolamento e quarentena decorrente da pandemia do Novo Corona Vírus (COVID-19). Dentre essa complexa gama de sentidos e significados que podemos atribuir aos desafios atuais, uma questão brilha mais forte: o inevitável contato com nosso universo interior. Precisamos ficar em casa, distantes de parentes e amigos queridos e amados. A partir do distanciamento social, percebemos como somos seres relacionais e a necessidade essencial do afeto e do amor. Querendo ou não, deparamo-nos com uma boa oportunidade para o exercício da introspecção e, com isso, a chance de potencializarmos nosso autoconhecimento, contatando nosso lado criativo, saudável e inspirador na justa medida do contato com nosso lado sombrio, egoísta, doente e constrangedor. Humanos nascemos: sendo assim, todos nós nos constituímos como sujeitos entre luz e sombra, entre bem e mal; entretanto, precisamos ultrapassar essas dualidades, ir além do bem e do mal. Quando, se não agora, teremos  oportunidade de transformar nossas relações ordinárias e cotidianas?

A partir deste mergulho interior, podemos reconhecer nossa força, nossa fragilidade, o amor e o ódio que, em nós, habitam. Agora é o momento de mudar o pensamento, o corpo, a casa e o planeta: temos consciência dessa intrínseca conexão?

Tanto o planeta quanto a casa e o corpo podem ser considerados o nosso lar, moradia da vida e dos diversos modos de viver. Moradia de uma existência única, autêntica e singular: você.  “Reconectar-se com a teia da vida significa construir, nutrir e educar comunidades sustentáveis, nas quais podemos satisfazer nossas aspirações e nossas necessidades sem diminuir as chances das gerações futuras.” (CAPRA, 1996, p.231) 

Racionalidade e Afeto

Todo processo de aprendizagem envolve desejo. Quando não há desejo de aprender, a atribuição de sentido para as descobertas, as quais caracterizam a construção do conhecimento, tende a ficar nublada ou ausente. É muito mais difícil atribuir sentido à aprendizagem quando não há desejo, pois se traduz como algo sem sentido, meramente formal: “decoreba” para passar de ano e se ver livre logo do fardo que se tornam os estudos. Remanescentes de uma visão moderna de sujeito, ainda acreditamos que a razão é a característica suprema dos seres humanos. Porém, em pleno século XXI, percebemos que a racionalidade clássica e tradicional, cartesiana, não deu conta do vazio existencial imanente à própria condição humana.

Nesse sentido, “estamos condenados ao paradoxo de manter em nós, simultaneamente, a consciência da vacuidade do mundo e a plenitude que nos propicia a vida quando pode ou quando der.” (MORIN, 2003, P.9). Somente a razão não dá conta da ilimitada complexidade humana. Com a necessidade de permanecermos em casa e realizarmos os estudos via plataformas virtuais, a presença e a participação das famílias adquirem outro contorno; assim, a troca de saberes entre os componentes do sistema familiar ganha uma nova forma para vir a ser fomentada como uma oportunidade de conhecer e redescobrir os elementos que o compõe. “Aumento da sensibilidade afetiva do corpo e aumento da potência de pensar da mente, portanto, vão de par: o que a mente pode conhecer é correlato ao que o corpo pode experimentar” (SÉVÉCAC, 2009, p.17).

Seria utópico e romântico pensar que o tempo de quarentena pode se tornar uma oportunidade de conexão entre os componentes familiares, estabelecendo rotinas comuns, compartilhadas e criativas? É possível escutar histórias da infância dos pais e dos familiares, narrar memórias que repousavam esquecidas nos amplos saguões da inconsciência, construir - por que não?- novos sentidos e significados que vão além do dever e da disciplinarização dos corpos e dos estudos. É tempo de leveza, de olhar nos olhos, amar e ser amado, distribuir e receber afeto, perdoar e agradecer, instigando a alegria de aprender juntos.

Leonardo Martins Costa Garavelo (Psicólogo escolar)|Leonardo.garavelo@santainesrs.com.br

 

Referências:

CAPRA, Fritjof. A Teia da Vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix, 1996.

MORIN, Edgar. Amor, Poesia, Sabedoria. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

SÉVÉCAC, Pascal. O conhecimento como o mais potente dos afetos. Em: MARTINS, André. (org). O mais potente dos afetos: Spinoza e Nietzsche. São Paulo, Martins Fontes, 2009.