Janela da Alma

Já foi dito amplamente que, há um mês, a situação imposta pela pandemia do Covid-19 era inimaginável! De repente, emitiu-se um sinal e tudo parou! Fomos isolados em nossas casas e instigados a repensar nossos hábitos por uma questão de sobrevivência. Sim, SOBREVIVÊNCIA! Para alguns, ainda, é um exagero. Com justificativas mil, desvencilham-se dessa grande oportunidade de reflexão, como se fosse o pior dos castigos. Outros, no entanto, ainda têm de garantir, devido à função profissional, as necessidades essenciais da população e, por isso, precisam sair de seus lares.

Enfim, voltemos o nosso olhar para onde estamos agora: a nossa casa. Estamos diante do nosso mais difícil desafio: retomar nossas relações familiares e afetivas com companheiros(as), filhos(as) e pais. Por muitos motivos, elas estavam estagnadas: pelo trabalho, pelo desespero de não saber o que fazer primeiro, por situações econômicas, dentre outros. O que fazer? Um desespero inicial nos cega e, se estamos nesse momento sem perspectiva de ajuda, ele pode nos travar permanentemente. Estamos isolados com nossas escolhas, enquanto, em nossa mente, retumba a expressão: “Não vou conseguir”. Ficamos angustiados e desviamos os nossos olhares para as telas e janelas, pois queremos manter a comunicação com o mundo externo, e isso é fundamental! Entretanto, não percamos a melhor oportunidade de nossas vidas para olhar no olho de quem nos acompanha, fazer uma escuta ativa - aquela em que de fato estamos escutando e não pensando na resposta ou em outra informação qualquer - e nos resgatar.

Dentro de casa, com todos em isolamento, o abraço é permitido! Se por alguma situação não for possível, ainda assim podemos ouvir o sentimento do outro, entender suas escolhas, dialogar sobre o que gerou possíveis erros, falar o que estamos sentindo e comunicar o que motivou nossas decisões enquanto pais e/ou responsáveis. Essas ações de acolhimento são, também, essenciais para a sobrevivência, pois retomam o sentido de família que perdemos e que nos faz falta: o laço de afeto, de cuidado. Sem ele, nos tornamos apenas seres ocupando um mesmo lugar!

Nessa perspectiva, educar é o mais perturbador dos desafios! Usamos as telas para ocupar tempos, evitar tocar em assuntos e ganhar minutos de sossego: coloca o “guri” para ver desenho animado ou para jogar no celular e resolvido: agora temos “paz” para fazer o almoço, para trabalhar em home office ou, ainda, para pentear o cabelo. Isso se chama esgotamento da vida adulta. Temos dificuldade de perceber que nós vamos assumindo mais e mais funções enquanto adultos, e, de repente, não há mais espaço para “esticar o elástico”. Somos julgados se expomos essa fragilidade. Não conseguimos fazer escolhas e, por sobrevivência mental ou econômica, assumimos tudo o que é solicitado. E, por isso, disfarçamos, falhamos onde aparentemente ninguém vê, ou onde não seremos julgados, e constituímos, assim, a ausência de cuidado em casa, com os que mais nos amam.    

Nessa condição de crise, o mundo parou, e a sociedade precisa aproveitar a oportunidade para se reencontrar com sua humanidade. Não tem problema errar, porque cada dia é uma nova oportunidade de reencontro! Ao invés de cada um da casa ter um aparelho tecnológico, e ele ser um motivo de distanciamento, usemos essa ferramenta para o acolhimento. Sentem juntos, escutem-se, escrevam uma rotina que envolva: tempos para atividades de desenvolvimento individual (sim, estudar é necessário em todas as faixas etárias); para o trabalho; para atividades de lazer coletivas (leiam, dancem, cantem, joguem stop, quebra-cabeça e xadrez, façam alongamento – qualquer escolha saudável desde que estejam juntos); para a alimentação sem tecnologia (observem: vocês sabem quantas vezes mastigam a comida, quantas vezes olham para quem divide a refeição, ou apenas engolem o líquido por cima da comida enquanto lêem mais notícias no feed?); para o ócio (naveguem nos celulares, assistam ao programa de comédia, permitam jogos e desenhos); e, claro, para o sono. Usem a tecnologia para esse registro. Dessa maneira, organizem o ambiente mais sagrado de suas vidas, o local que justifica toda a correria diária. Façam isso de modo otimizado: pode ser que, na casa, haja apenas um aparelho de computador ou tablet, então organizem de modo que enquanto um estiver no seu momento de ócio, o outro esteja no computador, por exemplo.

Respeitem-se, escutem-se, perdoem-se! Com a rotina escrita cooperativamente, coloquem-na num lugar visível e encarem as atividades da escola. No momento dos estudos domiciliares, realizem as atividades ocupando, aproximadamente, o tempo da escola (pode ser fragmentado, mas garanta este tempo). Não extrapole a condição de concentração dos jovens e das crianças. Claro que não dá para comer uma feijoada e sentar para estudar, porque, nesse caso, o tempo de concentração do(a) estudante será de 2 minutos. Não dá também para dançar loucamente e, depois, fazer atividade de Literatura. Lembrem-se, vocês estão em casa e, provavelmente, não são professores. Então, exerçam suas funções de familiares: acolham, escutem, acompanhem, leiam junto, estejam disponíveis e orientem dentro do que foi proposto. Se não deu para realizar uma atividade complexa, não se frustrem, sigam para uma mais lúdica e retomem aquela anterior num momento melhor ou, quem sabe, dividam a tarefa para ser feita em partes ao longo dia. Não esqueçam: vocês não têm para onde fugir, não se magoem, não se firam, não se desmotivem! Em momento difícil, ofereçam um abraço, um copo de água, uma música tranquila. A tecnologia está ao nosso serviço e não nós a serviço dela! Sejamos ativos e atuantes. Esqueçam o Dr. Google e encontrem a maneira como funciona na sua casa! Lembrem que atrás de cada tela tem um sujeito! O uso de tecnologia revela mais de nossa humanidade do que de nosso conhecimento tecnológico.

Dica em tempo de ócio: deletem aquele grupo de WhatsApp de agressão coletiva, revejam suas postagens, invistam em estudos para dialogar sobre temas específicos e saiam da categoria dos especialistas generalistas, aqueles que sabem tudo sobre tudo.

Lembrem-se que existe formação longa e complexa para ser professor. Assim, há um motivo em cada proposta desenvolvida para seu(a) filha. Não desfaçam das tarefas na frente do(a) estudante. Se entendem que, de fato, não tem sentido, comuniquem-se e apresentem sua análise à escola. Não depreciem nem desmereçam as pessoas qualificadas e fundamentais para o desenvolvimento cognitivo de seu(a) filho(a), os educadores. Se há desconexões inegociáveis, troquem de escola e invistam num projeto pedagógico coerente com seus princípios, sem desqualificar os outros. Somem esforços, medir forças é uma perda de tempo para todos, de saúde para suas famílias e de dinheiro para vocês! A educação dos(as) seus(as) filhos(as) continuará sendo uma responsabilidade sua, sendo complementada pelos processos educativos do colégio. Reconectem-se com a escola, afinal, nunca estivemos tão próximos! Estamos nos reinventando para oferecer o nosso olhar!

 Se vocês fazem tudo diferente e funciona, ótimo! Caso contrário, amanhã têm uma nova chance! Não fujam dessa oportunidade de olhar para a janela de suas almas!Acessem seus afetos e se reconectem com seus familiares!

 

Fabiana Pires (Coordenadora Pedagógica do Ensino Médio)
fabianapires@santainesrs.com.br